"A ópera precisa ser reinventada" por Jocy de Oliveira (Brasil) compositora, artista multimedia, guionista y pianista.
Pionera en el desarrollo de una obra multimedia en Brasil, que involucra música, teatro, instalaciones, texto y video. Es la primera entre los compositores del Brasil en componer y dirigir sus óperas, buscando reformular el formato operístico convencional a lo largo de sus nueve óperas, presentadas en diferentes países bajo su guion y dirección.
A ópera precisa ser reinventada
A ópera é uma das mais perfeitas formas de arte quando vista como legado desde o teatro grego na antiguidade, à camerata Florentina na Renascença, e sobrevivendo até hoje. A humanidade sempre se deixou inebriar pelo sonho da ópera que mexe com nosso inconsciente coletivo. Mas por isso mesmo, vejo a necessidade de reinventarmos a ópera. Ela precisa evoluir conosco, com nosso universo tecnológico e diversidade cultural. Precisamos repensar uma reformulação de seu conceito operístico, seu formato tradicional, sua própria estrutura. Não é suficiente dar a ópera uma roupagem atual. Não muda nada quanto a linearidade das narrativas, arias, duetos, vibratos, melodramas, e todos os clichês da ópera do século XIX que seguem muitas vezes o protocolo da personagem mulher, sempre como vítima ou morta no final. Em suma, seu perfil delineado no século XIX já não representa o mundo de hoje! E que fazer então? O problema são os teatros e instituições que não estão dispostos a ousar! Além do mais, a ópera é uma propriedade da cultura eurocentrista do hemisfério norte /ocidental . Se a opera for criada fora deste eixo, ela não existe. A tradição oriental é descartada e a America Latina e Africa são territórios à margem.
Mas é curioso examinar que após períodos mundiais distópicos , a humanidade tem vivido ciclos de efervescente invenção! Isso nos traz alguma esperança para os anos pós pandemia !
Muitas das óperas contemporâneas estreadas depois da segunda guerra mundial, eu tive o privilégio de ouvir ensaios, estreias, e conviver com os próprios compositores (Stravinsky, Berio, Nono, Cage, Stockhausen).
Voltei-me para a criação de peças multimídias em 1960 (com Apague meu spot light em parceria com Luciano Berio estreada nos Teatros Municipais do Rio e S. Paulo e 1961 ) e continuei nesta linha até fins de 1970. Mas foi em 1987, com a Fata Morgana que decidi seguir compondo óperas multimídia. Seguiram-se 8 operas e um filme de longa metragem – Liquid Voices no formato de ópera cinemática.
Para mim, conceber uma ópera é um processo concomitante de escrever o roteiro, texto, compor e idealizar a concepção cênica e imagética.
Após oito óperas multimídias minha trajetória deu uma grande virada em direção a meu recente filme Liquid Voices.
O desafio foi conceber simultaneamente dois roteiros em uma linguagem teatral e cinemática que prevê diferentes formas narrativas e da construção e desconstrução de significados, assim como o duplo e instigante desafio de lidar concomitantemente com estas duas mídias diversas: o cinema e o teatro.
Liquid Voices, como ópera multimídia estreou em fins de 2018 em Teatro do SESC em S. Paulo, seguindo-se a filmagem da ópera cinemática em diversas locações, nas ruinas do Cassino da Urca, Rio.
O filme Liquid Voices estreou no London Film Festival em início de 2019 e foi premiado em 9 Festivais de cinema na Europa, Israel, EUA e Chile. No momento disponível no Brasil, nas plataformas streaming (Now, Vivo Play, e Looke) e mundialmente distribuído pela NAXOS.
Junto ao lançamento de Liquid Voices, publiquei meu sexto livro Além do Roteiro que compila meu roteiro do filme, reflexões, profusão de fotos e todas as partituras do filme. Pode ser encontrado on line na Amazon.com.br , livrarias e no site da Editora Faria e Silva.
O filme “Liquid Voices – A História de Mathilda Segalescu” não é o registro de um espetáculo em teatro e sim, foi concebido especialmente para o cinema. A ópera conta uma narrativa ficcional ambientada em um evento factual e traz à tona a eterna tragédia dos imigrantes, refugiados e minorias perseguidas.
A meu ver e em geral, o teatro usa uma linguagem simbólica e o cinema uma linguagem naturalista, optando muitas vezes por representação mimética da realidade. Por exemplo, mesmo num filme sobre ficção científica, o imaginário é minuciosamente recriado do ponto de vista visual. É raro um filme fazer uso de uma linguagem simbólica, como por exemplo, Dogville, do cineasta dinamarquês Lars von Trier, quando abdicou do cenário e desenhou no chão os espaços de uma cidade imaginária.
Enquanto isso, o teatro pode fazer uso de um espaço limitado entre três paredes (como palco italiano) ou arena, e nesse espaço a ilusão prevalece. Por exemplo, no teatro oriental desprovido de cenário, o espectador é induzido a imaginar. Isso também é usual desde os primórdios do teatro no Ocidente, com manifestações ritualísticas até o teatro contemporâneo. O cinema é criado para ser desconstruído e reconstruído no processo de montagem e, portanto, geralmente, os atores não são minuciosamente preparados pelo diretor.
Segundo o ator Marlon Brando, no teatro o processo é extenuante, no cinema o ator é lançado na tela e deve se virar por si mesmo. A visão do público no teatro não é como o olhar da câmera, com diversas lentes, ângulos e modalidades diferentes. O público tem uma percepção espacial, escolhe o seu ângulo, ele é livre para seguir um ou outro personagem. No cinema, esta escolha já foi feita. A atuação no cinema torna-se, portanto, mais contida e restrita ao enquadramento da câmera, passando pelo crivo da direção de imagem e guiada pelo diretor do filme. No nosso caso, ao contrário, deixei, que o tenor (Luciano Botelho) se expandisse e atuasse mais dramaticamente, como se fora em uma ópera em teatro. Enquanto isso, a parte da soprano (Gabriela Geluda) requer muito mais técnicas vocais estendidas e uma linguagem contemporânea , o que abala o conceito de dueto.
Muitas vezes dei preferência ao pensar teatral, deixando ao olhar do espectador uma ampla visão de um plano mais aberto, em lugar do denominador comum em cinema de planos fechados na expressão facial do ator.
O teatro existe há mais de 3.000 anos e o cinema apenas há cerca de 125 anos... O cinema usa múltiplas locações, e isto interfere totalmente na maneira de filmar. No cinema, usa-se geralmente uma câmera, e as cenas são gravadas várias vezes de ângulos diferentes e visando a expressividade dos atores bem mais contida do que aquela do teatro, quando o ator não é visto em close-up. Esse processo pode levar meses ou até mais, o que financeiramente representa uma fortuna. Os atores estudam o roteiro e seus diálogos, mas praticamente ensaiam diante da câmera, o que é interessante para repensar a cena enfatizando detalhes de luz e sombra, mas também é necessário um tempo enorme para filmar! O diretor faz com que o ator viva seu papel impulsionado pela narrativa, além da locação que o submerge na história. O ângulo fotográfico lidera muitas das escolhas.
Quanto ao método de filmagem, usamos a maneira adotada em vídeo ou teatro gravando com três câmeras em 4k.
Em 1992, tive a oportunidade de assistir as filmagens de O pequeno Buda de Bertolucci. Ele me permitiu seguir de perto toda sua fantástica produção e fiquei impressionada com o extraordinário cenário montado em grande parte da cidade medieval de Bhaktapur, no Nepal. Parecia uma ópera! Entretanto, quando vi o filme, o olhar da câmera era restrito e linear. Sua visão nos oferecia apenas o seu próprio ângulo e perdíamos o poder do espacial. Por outro lado, o teatro, por mais que crie cenários extraordinários, nunca chega a expor a realidade de um cenário cinematográfico.
Em cinema, a música é considerada uma trilha sonora − é colocada no final da filmagem. É considerada um background, e deve ser subserviente à imagem. No caso de Liquid Voices, e ao contrário do habitual em cinema, a música é um elemento que define a duração das cenas.
Foi composta simultaneamente ao roteiro. O áudio pode tanto pontuar a palavra, a cena, como liderar ou seguir seu caminho independente.
Há cem anos, Serguei Eisenstein previu que música e imagem podem opor-se ou não apresentar correspondências de nenhum tipo e, ainda assim, possuir significado intersemiótico. Para ele, o futuro do filme estaria no conflito entre o auditivo e o visual, o conflito dialético da montagem estendido ao domínio acústico. Uma previsão extraordinária para o seu tempo observando que a montagem é a essência do cinema.
Esta visão da essência do cinema difere do teatro que ao abrir da cortina se descortina o momento insubstituível e singular : a obra, o interprete e o ouvinte se tornam um - como parte de um ritual de total entrega